14.11.08

Ajudo ou não? Faço a minha parte.

Certo dia no trem entrou um rapaz cego, a princípio não o tinha notado, estava entretida lendo, quando ele começou o seu glorioso discurso de miséria, naquele momento não pude mais me concentrar no que estava lendo e pausei a leitura sem tirar os olhos do livro e continuei ouvindo-o atentamente, aos poucos fui me comovendo. Eu não costumo ajudar com dinheiro, mas era a única coisa que podia fazer por ele naquele momento, então peguei na bolsa todas as moedas que estavam juntas e depositei em sua caneca de alumínio que ele vinha balançando para fazer barulho, não sei o quanto dei-lhe, mas sei que havia mais de dois reais alí. - Deus abençõe. Disse ele agradecendo. Respondi de acordo, amém.

Então ele chegou no final do vagão e retornou, achei um tanto estranha a sua agilidade em se locomover de volta, mas não me importei.

Estação seguinte: Barueri. Levantei-me e andei em direção à porta e parei ao lado desse rapaz cego que usava óculos escuro que estava acompanhado por uma moça que regula de idade comigo. Quando olhei-o sem querer, notei que ele estava me olhando por cima dos óculos escuros, fiz uma cara de espanto a princípio e ele sutilmente sorriu, foi quando a porta se abriu e eu desci. Não conseguia pensar em nada naquele momento, as únicas frases que me vinham à mente eram: QUE ABSURDO! EU NÃO ACREDITO! QUE ABSURDO novamente e assim fiquei por alguns instantes.

Foi quando sentei-me no ponto e lembrei-me do rapaz que vivia ali no terminal - que por sinal, não sei mais por onde anda-, uma noite quando voltava do colégio ele sentou ao meu lado, sem graça perguntou a hora, respondi e fiquei apreensiva, porém, tranquila. Não demorou muito ele começou a falar como se tivesse conseguido desengasgar, no começo não entendi quase nada do que ele falava, só sabia que estava se desculpando pela abordagem.
Tentando entender o que ele dizia, observei que suas mãos tremiam e que ele estava desconfortável com aquela situação, olhei-o no rosto e ele não conseguia me olhar, assim prosseguia o monólogo.
Ele dizia algo do tipo: Eu perdi minha família. Eu não consigo emprego porque não tenho onde morar, não tenho roupas limpas e porque notam que eu tenho algum problema sério. E não é só a bebida, é problema de vida mesmo.
Notei que seus olhos começaram a marejar e permaneci em silêncio porque eu estava interessada em saber o desfecho da estória.
Ele, um homem de aparentemente 35 anos, roupas velhas, porém, conservadas. Tinha um odor não de bebida como muitos imaginam, mas um odor de falta de banho mesmo. Aos poucos foi se soltando e falando mais alto, falava bem, sem erros ou vícios de linguagem.
Ninguém me ajuda, todos fogem de mim e eu não tenho amigos, eu quero sair dessa vida, eu quero uma vida digna outra vez: Uma família, um emprego, um teto. Dizia ele já com lágrimas a rolar.
Foi quando ele me olhou nos olhos, me assustei com a intensidade de seu olhar, mas não desviei e ele prosseguiu: Eu preciso me alimentar e preciso de roupas limpas para não ser excluido e conquistar minha auto-estima outra vez. Mas eu também preciso beber para parar de tremer, para que eu possa ficar de pé e sair dessa depressão. Eu preciso de ajuda. O que a senhorita pode fazer por mim?
Um minuto de silêncio e olhei ao redor, haviam algumas pessoas nos olhando e eu olhei para ele outra vez e perguntei-lhe: O que o senhor quer?
Quero pedir desculpas e agradecer por ter me ouvido. Disse ele já mais tranquilo.
Então ele se levantou do banco e orou: Deus, obrigado por essa minha vida, por boas pessoas que passam por ela. Estou pagando pelos meus pecados, estou sofrendo, mas agora estou feliz. Obrigado. Peço forças para conquistar uma vida melhor.
Passou a mão no meu cabelo e disse Amém. Assim ele me deixou ali sentada e um tanto surpresa.
Durante um bom tempo ainda o via perambulando pelo terminal, sempre que passava por mim me abençoava: Deus te abençoe, bom descanso. E continuava a perambular.

Várias outras histórias como a vez em que um mendigo punk-hippie - ou seja lá o que for - estava fazendo malabares na porta da estação, me abordou dizendo que eu entendia a situação dele e que ninguém dava dez centavos por aquilo que ele estava fazendo, então me pediu, enquanto eu abria a bolsa com receio ele disse que só queria uma ajuda, que não ia me assaltar ou pegar o que eu não quisesse dar. Então dei-lhe o Real que ele havia me pedido, agradeceu e continuou fazendo sua arte de rua.

E o que podemos pensar de tudo isso? Muitas coisas!
Eu nunca fui de negar ajuda à ninguém e sempre fui de confiar no bom caratér de um ser-humano. Mas nem sempre as pessoas merecem crédito da minha confiança.
Eu já fui enganada por um falso deficiente, já fui ouvinte de um mendigo que só precisava desabafar, já fui abordada por um viciado que precisava se sustentar, pelo garoto que queria comer, pela mãe que precisava alimentar seus filhos...

As pessoas têm necessidades e elas fazem por onde supri-las. Algumas são de fato impostoras, outras não, apostam na sinceridade. Algumas pessoas querem dinheiro ou querem abusar do seu bom coração, outras só querem um pouco de atenção, mas como identificá-las? Negando ajuda e fugindo de qualquer um que possa te pedir? Não considero opções plausíveis.
Eu ajudo, porque eu sei que a minha parte está sendo feita diante daquela história, se é ou não ficção, talvez eu nunca descubra.
Sempre que ajudo penso em mais um passo que o outro possa dar com isso.
Eu estou fazendo a minha parte, ajudando na maneira que tenho ao meu alcançe, agora, o que o outro vai fazer com a ajuda que dei não é mais da minha responsabilidade. Que Deus guie aqueles passos pelo caminho do bem.

8 comentários:

Pedro Junior disse...

Acredito que devemos fazer a nossa parte, o resto deixa com o destino...

T+
Abraços

http://visaocontraria.blogspot.com/

Alex disse...

Realmente, situações como essa são tocantes.
Mas o melhor que se pode fazer é ajudar, pelo menos estamos fazendo o nosso bem.
=]

Nataly disse...

Infelizmente, eu já sou bem mais cética do que você. Não ajudo com dinheiro, nem a pessoa que parece mais necessitada. Dou-lhe comida, roupas, ou qualquer coisa que estiver necessitando. Mas dinheiro, nunca. Dinheiro não alimenta o corpo ou a alma. Se recusam a comida e a roupa, é porque querem o dinheiro para algo que não é isso.

Sei que não era esse caso, mas eu já não consigo acreditar em nenhuma pessoa que me venha pedir dinheiro.

Infelizmente, a sociedade está corrompida demais para acreditarmos em tudo.

Rodrigo Ribeiro disse...

É um assunto polemico, dependendo do caso eu até ajudo! mas é polemico!

Tânia Mara disse...

Nataly
Ajudar com o que temos na mão, alí naquela hora.
Sem dúvida ajudar com roupas, alimentos é também a minha melhor opção. Mas não ando com marmitex ou uma mochila de roupas para dar, assim como você também não.
Eu entendo o que você está dizendo e também penso assim, mas sempre há um lado que nunca contamos, o lado do inesperado, nunca sabemos quando seremos abordados para ajudarmos.

Fabbyo Persa disse...

Dar ou não dar?
Ajudar um mendigo ou outro ser com dinheiro pode ser improvável, ele pode se drogar, alcoolizar-se, entre muitas outras coisas, não é?...Também me achava contra a idéia de ajudar com dinheiro...
Parei no seu texto, pensei e repensei...nos comentários e tive meu surto psicótico momentâneo de:
-Por que não dar dinheiro ao mendigo?
Alguns dos meus "amigos", dizem não ter dinheiro, pegam emprestado...quase nunca devolvem e ainda usam em motéis, cigarros, bebidas e tudo mais, e o pior, não falo nada.
Alguns desses "amigos" sempre vão ao mesmo local que você, enchem as lombrigas do que se está comendo e bebendo, olham com aquela carinha de cachorro morto, e dizem que estão sem grana e nós aceitamos a sua presença...
Não estou generalizando, existem AMIGOS e "amigos", o problema é que muitas vezes aceitamos todos, mesmo que um dia em algum ponto, cortamos o vínculo e mudamos nossas atitudes com eles.
Não importa em nenhum momento o que o rapaz que está com o seu dinheiro vá fazer com ele, você o deu de bom grado. Esqueça o que foi feito a partir daquele momento, não é mais seu, seja lá o que tenha dado!
Não faça o ato da doação por uma simples obrigação, sei que quando colocar a mão no bolso ou bolsa, é porque algo tocou a sua alma profundamente, e se isto acontecer, não é o dinheiro que está alimentando a alma e sim o seu coração. Garanto que nem todos os pedintes irão te passar esta comoção, OK!
Abraços...
Mais um texto aplaudível Tâ...parabéns!

Bobagem com Mouse disse...

Gostei muito do post!!!
Realmente as vezes fazemos o bem pra pessoas que realmente nao precisam, mas o gesto de só ouvir as palavras ,o desabafo dessa pessoa me comoveu muito,as vezes a pessoa não tem pra quem desabafar, isso faz uma diferença enorme!!!
Mostrou a boa pessoa que vc é!!!Parabens!!!continue assim, faça o bem...não importe a quem!!!

This is my Fuckin' Nature disse...

Fazer o que está ao alcance das mãos... Eu acredito que, se todos fossem como você, teriamos um mundo de pessoas sutis ao invés de amebas que se locomovem. parabéns mais uma vez!